quarta-feira, 15 de junho de 2016

Dez discos que completam dez anos em 2016

Texto originalmente publicado no Catavento* (parte 1 e parte 2)

Toca o despertador, você acorda, come, escova, banha, veste, dirige, trabalha, dirige, despe, banha, come, escova e dorme até o próximo despertador, tal qual um robô programado pelo Daft Punk ou um personagem de música do Chico. O tempo passa rápido, meus caros amigos.

A introdução é para a postagem de hoje, mas explica também meu lapso de três meses no blog. É um prazer dialogar com vocês e trocar impressões musicais — melhor ainda é presenciar cada etapa do crescimento de minha filhota de um ano. O primeiro passinho, os primeiros dentes, as primeiras idas ao hospital. Tudo vale a pena.

Feita a contextualização, vamos à pergunta que norteia a pauta do dia: o que você ouvia há dez anos? O tom nostálgico me pegou por esses dias e tive o trabalho de rodar algumas pastas esquecidas do meu HD. Com a ajuda da Wikipédia, listei discos importantes do universo cristão que completam dez anos em 2016.

Fiquei surpreso com a riqueza do material, o que comprova a fartura de lançamentos da cena alternativa e reforça a importância do filtro proporcionado por dicas de amigos e listas de blogs favoritos. Já repararam como é cada vez menos comum encontrar novos artistas nos meios de comunicação de massa?

Na época, descobri a maior parte dos cantores abaixo chafurdando nos cantos da web, gastando meu inglês ou baixando discos por engano. Bacana notar, dez anos depois, como a obra de uns representava um último suspiro de criatividade, enquanto para outros aquele era só o primeiro salto na carreira. A intenção não é pegar o que havia de melhor no mercado à época, mas fazer um retrato fiel do que ouvia.

Por fim: meu Deus!, como eu baixava toneladas de folk no HD (isso é bom).

Derek Webb, “Mockingbird”

Tecnicamente, é um álbum de dezembro de 2005 — não é a melhor maneira de começar uma lista sobre discos de 2006 e quem se sentir lesado tem todo o direito de recorrer ao STF. Mas esta é talvez a obra-prima do Webb e, por questões geográficas, só o descobri em 2006. Embora seja o folk em sua essência, sem exageros instrumentais, o álbum não deixa de cativar pelas constantes variações de acordes e pelas linhas melódicas na voz marcante do Derek. As letras, contudo, são o que há de melhor neste trabalho — e em toda a carreira do cantautor. Se hoje ele é visto como um pária do universo cristão, exatamente por tocar de forma polêmica em dogmas antes incontestáveis, é nessa obra que germinam os primeiros espinhos de sua mensagem. A faixa-título trata da forma como repetimos um discurso sem análise crítica. Em “A New Law”, ele abre disparando: “não me ensine sobre políticos e Governo, apenas me diga em quem votar”. Nada mais atual.

Bebo Norman, “Between the Dreaming and the Coming True”

Ainda na cota folk, desta vez pendendo para o pop. Bebo Norman foi alçado ao estrelato graças ao famoso grupo Caedmon’s Call, com quem rodou os Estados Unidos em turnê. Caminhando naquela linha tênue entre a música comercial e o folk rock, Norman conseguiu produzir bons “hits de adoração”, como “I Will Lift My Eyes”, e canções para ouvir na estrada, a exemplo de “Bring Me To Life”. Não é o melhor disco, mas um dos últimos que consegui ouvir. Depois ele caiu de ritmo, chegando ao ponto de fazer uma música para evangelizar Britney Spears — que nem é de todo ruim. Sério.

Jars of Clay, “Good Monsters”

Jars of Clay traz junto consigo a história do rock cristão alternativo. Iniciada com violões, pegada folk e até um acordeão em determinadas faixas, a banda entra de vez na onda do indie rock conduzido por guitarras de pouca distorção e pegada dançante. “Dead Man” e “Work” lembram um pouco os trabalhos de bandas como Strokes e Franz Ferdinand, trazendo um fôlego único — e que foi o bastante para sustentar os fãs da banda em um período obscuro de três anos com medíocres EPs de Natal, coletâneas e derivados. O disco de inéditas seguinte, lançado somente em 2009, apresentaria uma sonoridade bem diferente, cheia de sintetizadores e loops eletrônicos.

Mutemath, “Mutemath”

Após chamar a atenção dos garimpeiros de música alternativa com “Reset EP”, o Mutemath confirmou todas as expectativas no álbum homônimo lançado em 2006. A mistura de piano rhodes, guitarras ágeis e muitos sintetizadores rendeu comparações das mais diversas na crítica especializada, como U2, Muse e Radiohead, e garantiu um contrato imediato com a Warner. Nada mal para uma estreia. A verdade é que a banda foi uma das pioneiras no cenário cristão a romper com a estética de rock 90’ que ainda vigorava no pop gospel e apresentar uma proposta sincronizada ao indie rock dos anos 2000, cheio de ambiências eletrônicas, baterias orgânicas que mais pareciam loops, e timbres não convencionais de guitarra. Um marco.

Chris Rice, “Peace Like a River”

Encerrando a primeira parte desta postagem, uma proposta tradicional realizada de maneira competente. Que artista nunca pensou em lançar uma coletânea de hinos? A fórmula batida encontra espaço no mercado nacional exaurido de originalidade, onde Fernandinho arrisca alguns medleys e Lucas “irmão do SILVA” Souza dedicou um disco inteiro ao tema. No mercado americano, sempre sedento por discos temáticos fáceis de vender, não seria diferente. Mas Chris Rice, cabe lembrar, passa longe de ser apenas um tiozão da CCM em busca de recordes. Reza a lenda que o então jovem Michael W. Smith, ao lançar seu próprio selo, Rocketown, contratou Rice como primeiro artista — o habilidoso compositor havia cedido algumas canções a MWS. Se neste trabalho não é possível avaliar sua verve letrista, o lado produtor faz a diferença. Apostando no minimalismo de arranjos ao piano e ao violão, o artista ignora releituras mirabolantes para explorar silêncios, dobras vocais e criar o clima ideal para aquele devocional — que a gente tem tanta dificuldade para cumprir no dia a dia. Parecia preparar caminho para seu disco seguinte, “What a Heart is Beating For”, obra-prima que habita o top 10 deste que vos escreve.

Shawn McDonald, “Ripen”

Descoberto por acaso enquanto procurava por um álbum do badalado Jeremy Camp, Shawn McDonald se tornou um de meus artistas preferidos pela mistura equilibrada de apelo pop, refrões-chiclete e produção musical competente. Após “Simply Nothing”, álbum de 2004 que seguia fórmula bem simples, com a combinação violão, cello e voz, Shawn surpreendeu dois anos depois com as texturas e nuances de “Ripen”. Com baterias eletrônicas, sintetizadores, efeitos de voz, guitarras e uma pegada conceitual — algumas músicas conversam entre si, emendando arranjos e tonalidades –, o disco é a obra-prima da carreira do cantautor. Faixas como “My Salvation” pavimentaram seu alcance internacional, rendendo até mesmo shows no Brasil.

Leigh Nash, “Blue on Blue”

Mais conhecida pelo trabalho à frente do Sixpence None The Richer, Leigh Nash debutou na carreira solo com um disco nem tão pop quanto o mercado esperava, nem tão experimental como os projetos eletrônicos que viria a arriscar depois. Estão ali as melodias cativantes, as baladas bonitas, como em “Ocean Size Love”, e os arranjos de pop rock criativo que marcaram sua banda, tal qual “Along The Wall” — os backing vocals e a pulsação de baixo e bateria em uma canção que caminhava para a melancolia são uma ótima surpresa. A mais famosa das faixas do disco é “My Idea of Heaven”, que tem suas semelhanças com o estilo de Lilly Allen e Kate Nash, e ganhou até clipe oficial para emplacar nas paradas de sucesso norte-americanas.

Mat Kearney, “Nothing Left to Loose”

Eu tenho uma afeto especial por Nashville. Nunca pisei em território americano — cheguei perto, ficando 12 dias em Cuba –, mas sempre me impressiono com a quantidade e a qualidade dos artistas que brotam desta cidade (por sinal, vale a pena conhecer o coletivo Ten out of Tenn, formado por dez artistas oriundos do Tenessee. Gente do calibre de Andrew Belle, Katie Herzig e Matthew Perryman Jones).

Mat Kearney é talvez um dos casos mais bem sucedidos do alcance global e da aceitação que uma fórmula alternativa pode conquistar. Em seu segundo álbum de fato, mas o primeiro a receber atenção e projeção, Mat entrou pela primeira vez — e para não mais sair — na lista da Billboard com sua mistura bem água-com-açúcar de folk, rock e hip hop. Apareceu na trilha sonora de seriados consagrados, como 30 Rock, Grey’s Anatomy e Jericho, se fixando no panteão de favoritos da TV norte-americana. Seus álbuns seguintes ganharam destaque no iTunes e nas principais publicações americanas.

Não chega a ser um álbum que valha ouvir do início ao fim, mas tem bons momentos. Se o refrão de “Nothing Left to Loose” não te emocionar nas duas primeiras frases em falsete, procure um psicólogo. Sério.

Copeland, “Eat, Sleep, Repeat”

Por mais que o crítico tente se cercar de argumentos para analisar uma obra com imparcialidade, em alguns momentos, quando diante de algo que o toca, o que se busca é justificar o sentimento com explicações técnicas. Assim sou eu diante dos discos do Copeland. A banda tem linhas de piano que me agradam, grooves de bateria inusitados, guitarras discretas, além de Aaron Marsh, um vocalista lírico o bastante para arriscar melodias fora do padrão. Soa confortável: nem tão enjoativo, nem tão fácil quanto aquelas vozes de maior apelo comercial. “Eat, Sleep, Repeat” não é o melhor trabalho da discografia do Copeland, talvez seja o terceiro, atrás de “You Are My Sunshine” e “In Motion”, mas serve para exemplificar a coesão e a competência do grupo. Há muito de Radiohead em alguns arranjos, com detalhes que se sobrepõem aos poucos, sintetizadores criando ambiências mais tristes. Um manual de rock alternativo que bandas similares deveriam observar.

Brooke Fraser, “Albertine”

Conheci o som da neozelandesa por acaso e sequer sabia que ela era integrante do conglomerado Hillsong™, autora de hits globais como “Hosanna”. E isso foi bom. Como tenho um preconceito histórico — e quase inexplicável — com o grupo que moldou e pasteurizou os ministérios de louvor ao redor do mundo nos últimos 15 anos, teria perdido uma excelente cantautora por pura antipatia. Sem o compromisso estético com o rock adolescente do United, Brooke Fraser dá lugar ao folk, com composições maduras, explorando novos melismas, ritmos, texturas, sem explosões de guitarra ou refrões em uníssono. Há espaço para pianos, violões, cordas; há espaço até mesmo para o silêncio. O álbum é um oásis pop de criatividade em meio ao universo de fórmulas repetidas do gospel internacional. Repare, por exemplo, na entrada da bateria de “Shadow Feet” ou no violão que abre “Albertine”. Duas preciosidades. Recomendo também o álbum seguinte da cantora, “Flags”, lançado em 2010.

P.s.: Depois de fechar a lista, fui dar uma olhada nos lançamentos de 2006 na internet e acabei reencontrando artistas que também ouvi à época, mas por lapso da memória deste que vos escreve, ficaram de fora do post. Ficam aqui como menções honrosas: “Sound of Melodies”, do Leeland; e “Speak”, do Jimmy Nedham.

E você, que discos acrescentaria à lista?