A chuva de vento, a roupa no varal, a manga no alto da mangueira e o guidom da bicicleta perderam seu lugar. Quem busca em “Como Diz o Outro” (2016) as referências bucólicas e o som orgânico do primeiro álbum de estúdio do grupo carioca Crombie (“Por Enquanto”, 2008), se surpreende. Cada vez mais urbana e próxima da “MPB de FM” [se é que isso se configura como um gênero musical], a banda abandona de vez suas raízes no recente retorno ao estúdio — o último lançamento, foi gravado ao vivo há três anos.
Em “Casa Amarela” (2011), o grupo aprofundava o requinte dos violões apresentados em seu debut, enquanto a condução simplista da percussão abria espaço para um kit completo de bateria. A riqueza e a versatilidade dos novos arranjos desnudavam um futuro promissor para a banda, guiada pelas reflexões em verso e melodia — com tom cristão confessional ou não — do vocalista Paulo Nazareth; não à toa, tornou-se um compositor requisitado e respeitado na música cristã nacional, cedendo canções à interpretação de terceiros.
[Permitam-me um entreato interessante neste ponto do texto. Não julgarei a qualidade dos trabalhos, apenas acho interessante observar este excerto da trajetória de dois principais compositores de grupos contemporâneos: Nazareth e seus companheiros, mesmo oriundos da Presbiteriana, nunca fizeram do léxico cristão um mantra, ao contrário do Palavrantiga, que sempre citou Deus em suas letras. As mensagens do Crombie não se referiam a Cristo de forma direta, o que garantiu à banda boa aceitação na crítica secular desde sua fundação. Marcos Almeida, por sua vez, tentou mudar o estilo das composições do Palavrantiga no meio do caminho, causando estranheza em parte dos ouvintes no hermético “Sobre o Mesmo Chão” (2012)]
Desta primeira fase do Crombie, não faltam faixas de destaque: “Guidom” e “Sobre o Tempo”, do primeiro disco, e “Primeiro Samba” e “Se Por Acaso”, do segundo álbum, exemplificam a razão do hype criado em torno do grupo. Causa estranheza, portanto, a ausência de profundidade do novo lançamento, considerando o cacoete radiofônico da produção e a fraqueza dos argumentos de algumas canções. “Na Superfície” deixa claro que o objeto em análise é outro: o lambe-lambe, o avião, o trilho de trem, o corre-corre da urbe, o frenesi da vida pós-moderna. E não deixa de ser uma apresentação pertinente.
O problema está nas oscilações do trabalho, que traz participações simbólicas para a análise. Jair Oliveira, o Jairzinho, resume bem o perfil da MPB atual. Não é um grande vocalista, não produz nada relevante em sua própria obra, mas permanece orbitando em rádios e TVs — atualmente é produtor musical do Domingão do Faustão, ao lado do competente e subestimado Simoninha. Sua presença em “Insatisfação” é enfadonha; pouco acrescenta para salvar a composição. O contraste fica evidente na sucessora “Cores”, uma das melhores do álbum, com guitarras criativas, bateria bem dividida e letra inspiradora.
Alternando bons e maus momentos, o disco consegue conduzir seu ouvinte até a última faixa, com destaque relativo para “Impasse”, uma espécie de flamenco indie moderno, similar ao trabalho realizado por Léo Cavalcanti, e “Sobre a Saudade”, exemplo de bom uso da guitarra nesta nova fase. O problema não reside na mudança de foco ao longo do CD, mas na diversidade excessiva. Sem saber a qual público agradar, o disco se torna esquecível rapidamente. Não incomoda enquanto toca no carro, mas também não cativa. Mesmo depois de uma dezena de audições, raros versos permanecem na cabeça.
“Quase tudo é temporal”, nos ensinou o próprio Paulo Nazareth em 2008. Tudo é perecível: a arte, a vida, o ser humano. No entanto, obras que romperam a barreira do tempo e preservaram-se relevantes souberam encontrar o equilíbrio entre a inovação e o conforto para o ouvinte — ou acreditaram mesmo no rompimento de barreiras, recebendo reconhecimento póstumo. Apostar em uma aproximação com a MPB rasa das rádios é produzir algo que nasce perecível. É investir em um disco que pouco acrescenta à própria discografia da banda. É obsolescência musical programada.