Muito se fala sobre liberdade de pensamento, raízes brasileiras na música cristã e autonomia artística, mas será que estamos indo no rumo certo? Percebo um quê de parnasianismo em toda esta linha de pensamento que exime a arte de justificativas e parece buscar o reconhecimento da arte pela arte. Mas o que nos diferencia de outros artistas não-cristãos?
Antes de chegar à discussão principal, quero relembrar um pouco a parábola dos dez leprosos, velha conhecida dos evangélicos, narrada no capítulo 17 do evangelho escrito por Lucas. Cristo, a caminho de Jerusalém, passou por uma aldeia e encontrou dez homens enfermos -- àquela época, os portadores de hanseníase eram obrigados a viver fora da cidade, tal qual nos leprosários existentes até décadas atrás.
Movido pela misericórdia que lhe é peculiar, Jesus ordenou que os leprosos seguissem rumo aos sacerdotes, cumprindo o protocolo que estabelecia se estes poderiam ou não viver em sociedade. Percebendo que estava limpo, apenas um deles retornou para agradecer ao Mestre. Todos foram curados, mas apenas um quis glorificá-lo. A Bíblia não relata se os outros prestaram testemunho do milagre ou não, mas se o fizeram, esqueceram de agradecer a quem mais importava. Ponto final.
Foto: Tim Phillips |
Em uma comparação simplista e rápida, nós fomos libertos da morte pelo sacrifício de Jesus na cruz -- segundo Paulo, todos pecaram. Estávamos excluídos do Reino pela lei e distantes da salvação, a exemplo dos leprosos. A nós foi dada a missão de divulgar a Graça, a beleza da nova vida em Cristo e a esperança do Céu.
Para cumprir este objetivo, seria preciso nos lançarmos como fazem os missionários, ou, simplesmente, usarmos as ferramentas que estão ao nosso alcance para pregar a quem mora ao lado. Obviamente, não é uma tarefa fácil, mas para isso nos foram concedidos dons, talentos e estratégias, literalmente, divinas. Vou me ater a uma destas: a música.
Alguns artistas possuem a habilidade natural de pregar para os que são de fora: Switchfoot, Stryper, Bride, Sixpence, POD e U2 -- para citar os mais controversos -- levam uma mensagem essencialmente cristã sem, necessariamente, citar a figura de Cristo. Não cabe a mim julgar esta estratégia, mas é fato que ouvi relatos de pessoas alcançados por meio destes grupos.
Outros compositores, entretanto, optaram pelo caminho da gratidão explícita, como fez um daqueles dez leprosos -- o que eu, hoje, considero o melhor caminho. Usam a música neste moldes tanto para edificar a Igreja quanto para alcançar os que estão fora. Os dois casos, apesar da estratégia às vezes confusa do primeiro grupo, são válidos. O problema reside na terceira categoria.
Foto: ManonManon |
Carentes de uma bandeira que os sustente, alguns -- e nesta categoria eu estive durante um período -- insistem em produzir conteúdo implicitamente cristão para os de dentro; tentam fazer com que a Igreja mude para aceitar suas ideias mirabolantes, como se reinventassem a roda. Misturam o sagrado ao profano na intenção de soarem cultos, únicos e proeminentes.
A nossa arte precisa sim de justificativa. E esta justificativa é o amor de Deus revelado na Cruz, a razão da nossa fé e da nossa esperança. Paulo, em sua carta aos Coríntios, diz que "se Cristo não ressuscitou, logo é vã a nossa pregação, e também é vã a vossa fé". Pedro, em sua primeira carta, diz que devemos estar "preparados para responder [...] a qualquer que vos pedir a razão da esperança que há em vós".
É possível ser diferente explorando novos ritmos e texturas musicais criativas, mas usar as entrelinhas e codificar a figura de Cristo configuram um risco: o de minimizar o próprio Deus. Se o artista toca pela Graça que lhe foi concedida, essencialmente, deve focar sua mensagem em dois símbolos: a Cruz, que exalta o amor de Deus e a salvação em Cristo; e o Trono, que revela a grandeza do Criador, seu poder e sua glória.
E você, qual dos leprosos quer ser?