terça-feira, 24 de agosto de 2010

O perigo da alegria constante

Ligue a televisão em um desses canais com pregação ao vivo e espere cinco minutos. Talvez nem demore tanto para notar o discurso positivista que tem tomado conta da igreja cristã no Brasil. A venda da felicidade, da alegria constante, tem tirado o foco do sofrimento que Jesus tanto pregou em seus três anos de carreira aqui na Terra.


Poesia e melancolia usadas para adorar...

Lembro bem da passagem na qual Cristo percebe a multidão que o seguia apenas pelo interesse do milagre fácil, da cura instantânea, desatenta a real mudança de comportamento que o Mestre pregava, e inicia um discurso duro. Um a um, Jesus vai ganhando unfollows perdendo seguidores, até restarem apenas os 12 discípulos.

Como a música cristã no Brasil é muito vinculada à doutrina das igrejas, não demorou muito para que versos como "quem te viu passar na prova e não te ajudou / quando ver você na bênção vai se arrepender" surgissem. A mensagem quase-vingativa tomou o lugar das reflexões descompromissadas, que expressavam apenas a dor da alma que sofria em terra estranha.

Em tempos de relacionamentos superficiais dentro da própria igreja, o discurso da "alegria sempre" nunca se fez tão necessário. Pregar o sofrimento, a renúncia, se tornaram sinônimo de não-aceitação de mercado. A indústria cristã se tornou um negócio como qualquer outro. Se o artista não vende, fica sem gravadora. Simples assim.

Se artistas como Sérgio Lopes e Álvaro Tito, que cantaram a melancolia com afinco, lançassem seus primeiros discos nos dias de hoje, será que os conheceríamos? Consegue dimensionar o tamanho da perda a qual estamos sujeitos escolhendo apenas o que é feliz? Será que Antônio Almeida conseguiria emplacar Rude Cruz nas rádios gospel de sua cidade?


Sim, eu amo a mensagem da cruz
Té morrer eu a vou proclamar
Levarei eu também minha cruz
Té por uma coroa trocar


Nem só de alegrias é feita a vida. Assim também é a vida cristã.