A música de adoração contemporânea segue uma espiral quase obrigatória para compositores e produtores desde que Michael W. Smith lançou uma série de álbuns do gênero na virada dos anos 2000 e emplacou hits mundiais — cantados até hoje em diferentes versões nas igrejas brasileiras. Fazer cantos congregacionais virou uma fórmula exata, estabelecida não apenas pelo conforto das congregações, mas pelas grandes gravadoras: um crescendo que mistura Coldplay, U2, letras simplistas e clichês de apelo emocional.
Pensar um álbum que inspire a alma, edifique a vida cristã e surpreenda musicalmente requer esmero, capacidade técnica e conhecimento teológico profundo. Por esta razão, dedico-me neste post a esmiuçar a alegria de ter descoberto o duo The Brilliance. Seu disco de estreia, “Brother” (2015, Integrity), é sem dúvida o melhor álbum cristão que ouvi no ano passado. Há uma beleza triste nesta obra que envolve e cativa logo nas primeiras audições, fruto do trabalho profícuo de John Arndt e David Gungor.
Os leitores que acompanham um pouco do universo alternativo da música cristã devem ter reconhecido o sobrenome de um dos integrantes da dupla. David Gungor, como se supõe, é membro do coletivo Gungor, liderado por seu irmão Michael Gungor, bem como John Arndt, pianista do aclamado grupo. Em se tratando de The Brilliance, no entanto, o sobrenome pouco vale. O carro-chefe do duo é o piano sensível, clássico e minimalista de Arndt, autor de arranjos e harmonias fascinantes — sendo econômico nos adjetivos.
A introdução de “Yaweh”, uma das mais marcantes do álbum de estreia, é peça digna de Debussy e outros gênios da música instrumental. É possível ouvir a batida das teclas e o abafador pressionando as cordas do piano, uma proposta orgânica que logo contrasta com o baixo eletrônico e o loop artesanal de bateria, tudo isso associado ao arranjo vocal, digitalizado na medida certa. A sobreposição de violoncelos e sintetizadores causa a estranheza necessária para prender o ouvinte em seu mergulho lento na ótima letra.
“Jeová, aqui estão Suas crianças clamando por paz / Pai, derrama seu Espírito, prepare nossos corações para Ti / Sol da manhã, venha em Sua sabedoria / Salve-nos de nós mesmos / Jesus, venha em nossas fraquezas / traga esperança a todo o mundo”, entoa o hino. O clipe lançado pelo duo em agosto do ano passado amplia o grau de compreensão da letra: gravado na zona de conflito entre Israel e Palestina, o vídeo transforma a prece solitária em um alarido de dois povos.
A faixa-título do disco comprova a capacidade de entregar surpresas ao longo de poucos minutos. “Brother” tem características que assemelham o som do The Brilliance ao trabalho do próprio Gungor. A presença de muitos instrumentos e vocais, entretanto, remete a outra figura sempre citada pela crítica quando o assunto é o “pop barroco”: Sufjan Stevens. A megalomania de alguns arranjos e o número de integrantes nos poucos registros ao vivo disponíveis na internet — que passa longe de se restringir aos dois protagonistas — validam a comparação com o multi-instrumentista já citado aqui no blog.
A letra de “Brother”, por sinal, é outro acerto do grupo, se equilibrando entre o devocional, a adoração e a crítica social. “Quando olho no rosto do meu inimigo, vejo meu irmão”, repete David Gungor dezenas de vezes, enquanto cordas, piano e baixo se revezam nas respostas da linha melódica. “Abra nossos olhos para ver as feridas que unem toda a humanidade”, declara outro trecho da canção.
“Breathe”, outro ponto alto do álbum, possui estrutura rítmica similar a alguns trabalhos do Gungor — exceto pela introdução clássica ao piano. O riff com o violoncelo em seu momento guitar hero, acrescido de longos acordes de violino, lembra o conceito que guia “Dry Bones”, por exemplo. Nada que arranhe a competência do duo — ao contrário, a comparação ressalta a competência técnica de seus integrantes.
E ainda que este post seja destinado a avaliar o disco de estreia do The Brilliance, não poderia deixar de citar seu mais novo EP, “See The Love”, disponibilizado para streaming neste mês. Com três músicas inéditas — destaque para “Love Shall Overcome”, que apresenta uma levada mais dançante, algo inédito até então –, o compacto traz também um remix de “Brother” com o rapper Propaganda, um dos mais relevantes da música cristã.