Texto originalmente publicado em Catavento*
Esta não é uma lista de fim de ano, muito menos uma justificativa para a ausência de um ranking de melhores discos e filmes de 2015 no blog. Esta é, na verdade, uma postagem que exalta o penoso ofício de consumir arte em ritmo lento -- algo que descobri há alguns anos e tive de aperfeiçoar nos últimos 12 meses.
O Slow Movement é um movimento cultural iniciado nos anos 80 com o irônico slow food -- o nome deixa claro do que se trata -- e rapidamente aplicado a outras vertentes: slow money, slow fashion, slow cinema, etc. Em resumo, se trata de viver de forma mais lenta, desfrutando de forma aprofundada das relações humanas e freando o consumismo.
Em abril de 2015, me tornei pai de uma moreninha com olhos de jabuticaba e, naturalmente, dediquei a maior parte do meu tempo à ela desde então. Olhando a pasta de downloads e os discos no Spotify, não passei de 15 álbuns novos neste ano. Um recorde negativo (?) para quem está habituado a ouvir, analisar e escrever sobre os lançamentos recentes.
Neste contexto, o Slow Movement se tornou uma necessidade no meu dia a dia. Entre fraldas, banhos e engarrafamentos no trajeto casa-trabalho-casa, pouco acompanhei dos principais discos, tendências e filmes em cartaz. Como jornalista, me esforcei para manter o ritmo apenas na leitura de notícias de economia e política.
Passada a abstinência dos primeiros dias, me peguei pensando no que cantou Caetano no Festival de 67: “o sol nas bancas de revista / me enchem de alegria e preguiça / quem lê tanta notícia?” Os versos permanecem atuais em tempos de redes sociais: quem curte tantas fotos? Quem vê tantos vídeos? Quem lê tantos tuítes? Quem conta tantos likes?
Com um pendrive lotado de músicas “velhas” no carro, tive a oportunidade de redescobrir nuances, melodias, resignificar frases e encontrar beleza em discos que ouvi na correria em 2014, 2013… Foi na impossibilidade de me atualizar no frenesi da vida moderna que aprendi a enxergar beleza no que estava em minhas mãos o tempo todo.
Até mesmo na Netflix, que lança séries em ritmo alucinado, optei por ver filmes há tempos na lista de pendências. Ironicamente, “O Feitiço do Tempo” (1993) foi uma destas obras que redescobri em 2015. A história do jornalista preso nos eventos de um mesmo dia foi um disparador de reflexões acerca dos valores que damos à vida e às pequenas coisas.
Enquanto minha filha crescia, pude perceber o quanto seu ritmo de aprendizado me ensinou. Examinando cada som, cada gesto e cada cor infinitas vezes, fui entendendo que é na repetição que eles moldam o mundo ao seu redor. Maria degustou cada nova fruta com atenção e curiosidade; cada colherada como se fosse a primeira. Por que não ser assim na vida?
As lições de 2015 deixaram marcas e moldaram o ser humano que pretendo ser em 2016. Que possamos investir mais tempo em fruição estética e menos em ritmo de consumo. Que as listas tirem do foco o que é necessariamente novo ou inovador e abram espaço para o que nos emociona, nos toca de forma sincera e nos muda para melhor.
Mais conteúdo. Menos ritmo.